quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Inquérito contra Eduardo Azeredo

Ministro Joaquim Barbosa apresenta a primeira parte de seu voto no inquérito contra Eduardo Azeredo

Concluída a primeira parte da apresentação do voto do ministro Joaquim Barbosa no julgamento do Inquérito (Inq) 2280, que apura a suposta prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, no chamado mensalão mineiro. O suposto esquema serviria para a montagem de um "caixa dois", abastecido com recursos provenientes de empresas públicas do Estado de Minas Gerais para financiar a campanha para a reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais, em 1998.

O ministro lembrou que o caso se baseia em declarações prestadas pelo empresário Marcos Valério em depoimento realizado na CPMI dos Correios, no Congresso Nacional, de que teria prestado serviços de campanha a Eduardo Azeredo. Ao investigar o caso, o Ministério Público Federal apontou que pelo menos R$ 3,5 milhões provenientes de empresas públicas mineiras teriam sido utilizados para pagar tais serviços. Apontou o MPF que os recursos teriam origem em crimes contra a administração pública e lavagem de dinheiro.

Em seu voto o ministro Joaquim Barbosa afirmou que o acusado [Eduardo Azeredo] tinha conhecimento da prática dos crimes contra a administração pública, em operações muito similares ao mensalão, apurado na Ação Penal (AP) 470. “A obtenção de empréstimos aparentemente fictícios para a formação de caixa dois de campanha permite a comparação”, disse o ministro durante a leitura de seu voto.

Forma de agir

Segundo o ministro, a denúncia passou a descrever a forma como eram captados os recursos das empresas públicas Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), Comig (Companhia Mineradora de Minas Gerais) e Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais) para serem utilizados pelo comitê de campanha de reeleição de Azeredo ao governo mineiro.

Segundo a denúncia, o então governador Eduardo Azeredo teria determinado ao secretário-adjunto de Comunicação Social do estado, Eduardo Guedes, a expedição de ofícios às empresas Copasa, Comig e Bemge, para o patrocínio do Enduro Internacional da Independência.

O alegado patrocínio, citou o ministro ao ler a denúncia, implicou a transferência de recursos estatais para a empresa SMP&B Comunicação, responsável pela veiculação publicitária do evento. Mas os recursos não seriam aplicados no evento. Visando a ocultação da origem desses recursos, os empresários da SMP&B pegariam empréstimos junto ao Banco Rural para aplicar na campanha de Eduardo Azeredo e tais empréstimos seriam liquidados com os recursos públicos que a SMP&B deveria destinar ao Enduro Internacional da Independência, “numa triangulação típica do crime de lavagem de dinheiro”, afirmou o ministro.

A transferência ilícita, segundo a denúncia, revelaria a participação da Copasa com R$ 1,5 milhão e da Comig com outro R$1,5 milhão. Como o valor de R$ 3 milhões era muito alto para patrocinar um único evento, foram listados outros dois eventos desportivos a serem patrocinados: o Iron Biker e o Supercross.

Acrescentou o ministro que “o esquema não teria sucesso sem a participação de integrantes da cúpula do governo de Minas Gerais e da campanha à reeleição. As duas cúpulas eram formadas, sem prejuízo da participação de outras pessoas, pelos mesmos personagens [Eduardo Azeredo (governador), Walfrido dos Mares Guia (vice-governador) e Clésio Andrade (candidato a vice-governador)]”.

Indícios

Ao ler seu voto, o ministro Joaquim Barbosa chamou a atenção para uma nota fiscal no valor de R$ 4,5 milhões emitida pela SMP&B em nome de Eduardo Azeredo para que ele saldasse compromissos pessoais diversos em plena campanha. “Esse recibo demonstra que o acusado tinha ingerência sobre o caixa de sua campanha e que as empresas a estavam irrigando de maneira ilícita”, observou Joaquim Barbosa. E prosseguiu, “não há na defesa uma única palavra sobre este documento, este recibo de 4 milhões e 500 mil reais”.

Joaquim Barbosa ressaltou ainda o que chamou de "fatos revelados" – as estatais mineiras jamais haviam patrocinado os eventos desportivos apresentados na denúncia em valores tão elevados, o que “seria bastante significativo para a caracterização da fraude”. Até 1998, o patrocínio era feito pela Secretaria de Comunicação do governo, e não pelas estatais, e os valores eram infinitamente inferiores.

Em 1995 e 1996, citou o ministro, o estado destinou R$ 50 mil ao enduro. Já em 1997, o valor subiu para R$ 200 mil, também repassados pela secretaria de Comunicação do governo. No ano eleitoral de 1998, o patrocínio saltou para R$ 3 milhões, aumento de 5.900% em relação a 1995 e 96, e de 1.100% em relação a 1997. Salientou o ministro que o patrocínio ocorreu menos de 15 dias antes da realização do Enduro da Independência. “A viabilidade de um patrocínio milionário fornecido às vésperas do evento é induvidosamente questionável, ao meu sentir”, afirmou Joaquim Barbosa.

Copasa

Ao iniciar a parte de seu voto que detalha os repasses das empresas públicas, o ministro Joaquim Barbosa aponta que o fato “é um indício de que os crimes realmente ocorreram e foram planejados com antecedência”. São pessoas das relações e da mais estrita confiança do acusado, razão pela qual não teriam agido sem seu consentimento, acrescentou o ministro.

O ministro citou depoimentos de testemunhas no caso que dariam conta da participação de Azeredo no esquema. O repasse de R$ 1,5 milhão foi questionado pelo presidente da Copasa, Rui Lage, que não poderia fazer o patrocínio sem o conhecimento e autorização formal da Secretaria de Comunicação, cujo chefe maior era o governador mineiro.

O ministro ressaltou o fato de que a nota fiscal relativa ao patrocínio da Copasa foi emitida no mesmo dia em que o ofício foi enviado à empresa para pedir o patrocínio, 7 de agosto de 1998. “Num só dia foram três atos coordenados e que teriam por fim o desvio de recursos da Copasa”. O patrocínio se efetivou em regime de urgência, faltando poucos dias para o evento, sem tempo hábil para a veiculação das marcas no evento e no ápice da campanha.

A transferência foi ilegal, pois quem detinha o direito exclusivo sobre o evento seria a SMP&B Publicidade, mas quem recebeu o dinheiro foi a SMPB Comunicação, criada posteriormente como modo encontrado para viabilizar a entrada de Clésio Andrade na empresa, “por estar limpa, livre de dívidas”, avaliada em torno de R$ 12 milhões.

Com a criação da nova empresa, a antiga foi desativada. Isso demonstra que as notas fiscais emitidas pela SMPB Publicidade eram frias, pois foram emitidas por uma empresa que não mais funcionava e não poderia patrocinar o evento desportivo, disse Joaquim Barbosa ao ler as considerações do Ministério Público.

Segundo disse Joaquim Barbosa, o acusado Eduardo Azeredo, na qualidade de governador de Minas Gerais, provavelmente tinha conhecimento de que em nenhum dos anos anteriores de seu próprio governo haviam sido destinados valores tão elevados ao mencionado evento esportivo. O acréscimo ocorreu justamente no ano da sua campanha à reeleição. “É por essas razões que as transferências ocorridas em agosto e setembro de 98 assumem contornos típicos do crime de peculato”, disse Joaquim Barbosa antes de terminar a primeira parte de seu voto.

Considerações

O ministro Joaquim Barbosa comunicou ao Plenário, logo no início de seu voto que extinguiu a punibilidade em relação a José Cláudio Pinto de Resende, falecido, e os envolvidos Rui José Viana Lage, Gilberto Botelho Machado e Maurício Dias Horta, cujas condutas já estariam prescritas com base na pena cominada em abstrato, à luz da regra inscrita no artigo 115 do Código Penal e tendo em vista de já possuírem mais de 70 anos de idade.

O ministro também homologou o arquivamento das investigações em relação ao crime eleitoral previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, tendo em vista que a pena máxima cominada ao delito em questão é de três anos, tendo prescrito em 2006.

AR/LF
 


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