Por seis votos a três, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou a Reclamação (RCL) 9428, proposta pelo jornal O Estado de S. Paulo contra a proibição imposta pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) de publicar matérias sobre processo judicial que corre em segredo de justiça contra Fernando Macieira Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Em seu voto (leia a íntegra), seguido pela maioria, o relator da Reclamação, ministro Cezar Peluso, manifestou-se pela extinção do processo, por não ver na decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) conexão com a decisão tomada pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, conforme alegado pela empresa jornalística.
Naquele julgamento, a Suprema Corte declarou a completa inconstitucionalidade da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967). Segundo o ministro relator, naquela oportunidade, a Suprema Corte não tratou especificamente da censura à imprensa, mas sim, genericamente, da questão da liberdade de imprensa.
“O objeto da reclamação reduz-se ao impedimento de publicar dados de um inquérito judicial sob segredo de justiça”, sustentou o relator, afastando qualquer vinculação entre a decisão do TJDFT e o decidido na ADPF 130.
“Não encontro, no teor da decisão impugnada, desacato algum à decisão tomada pelo STF no julgamento da ADPF 130”, afirmou o ministro. Segundo ele, no julgamento da ADPF, deu-se uma resposta jurisdicional para revogar uma lei não recepcionada pela Constituição Federal de 1988, porque não estava compatível com a nova ordem constitucional.
Para Cezar Peluso, uma reclamação somente é admissível em duas hipóteses: quando discute a esfera de competência do STF e quando objetiva garantir a autoridade da Suprema Corte em suas decisões. E, no entender dele, não é este o caso na RCL 9428.
Em seu voto, o ministro determinou ao juiz federal no Maranhão que julga recurso do jornal contra a decisão do TJDFT, que apresse o julgamento da questão. A proibição de veicular matérias contra Fernando Sarney foi determinada pelo desembargador Dácio Vieira, do TJDFT. O jornal apelou, mas o tribunal se declarou incompetente para julgar a matéria e a afetou a um juiz federal do Maranhão, que julga um caso envolvendo a divulgação de degravações de escutas telefônicas.
Votos
O voto do ministro Cezar Peluso foi acompanhado pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. Ele compartilhou o voto no sentido de que não há uma garantia fundamental absoluta – no caso a liberdade de expressão e o direito de informação, contrapostos ao direito à privacidade, individualidade, honra e outros direitos fundamentais da pessoa humana.
Segundo ambos, não há uma hierarquia entre tais garantias, assentadas sobretudo em diversos incisos do artigo 5º da Constituição Federal, devendo cada caso ser avaliado ponderando-se as diversas garantias para analisar qual delas está sendo mais afetada por uma determinada decisão ou conduta.
Divergência
O ministro Carlos Ayres Britto abriu a divergência em relação ao voto do ministro Cezar Peluso. Britto, que foi o relator da ADPF 130, observou que há plena relação entre a decisão do TJDFT que motivou a reclamação de “O Estado de S. Paulo” e o julgamento da ADPF 130, que resultou na declaração de inconstitucionalidade da Lei de Imprensa.
Segundo ele, naquela ADPF, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), a alegação era justamente que a lei embaraçava o disposto nos artigos 220 (liberdade de manifestação do pensamento, livre de censura) e no inciso IX do artigo 5º da CF (liberdade de expressão, também sem censura). Segundo ele, a ADPF voltava-se, inicialmente, contra 22 dispositivos da extinta lei, entre eles os artigos 61 a 64, que tratavam justamente da censura judicial prévia à imprensa.
O ministro Ayres Britto defendeu a liberdade de imprensa, sem censura, invocando os parágrafos primeiro e segundo do artigo 220 da Constituição Federal. Dispõe o primeiro deles que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV”. Por seu turno, o segundo deles dispõe que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
“O tamanho da liberdade de imprensa não pode ser medido pela trena da lei”, sustentou o ministro Carlos Ayres Britto. Isto, segundo ele, só é possível com aspectos periféricos dela, como por exemplo a disciplina do direito de resposta.
Dias Toffoli
O ministro José Antonio Dias Toffoli acompanhou o voto do relator, ministro Cezar Peluso. Segundo ele, a decisão atacada pelo jornal paulista não está fundamentada na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67), que foi revogada quando o Supremo analisou a ADPF 130. “A via escolhida da reclamação não é cabível porque a decisão reclamada não está baseada na Lei de Imprensa, mas sim na Lei de Interceptações Telefônicas [Lei nº 9.296/96]. Nesse sentido, a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios não afrontou a decisão desta Suprema Corte na ADPF 130”, afirmou Dias Toffoli.
Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha acompanhou a divergência aberta pelo ministro Carlos Ayres Britto, ao conhecer da reclamação e votar pelo deferimento da liminar. “O ponto nuclear da discussão é se há pertinência ou não entre o paradigma apontado e o ato reclamado. O ato reclamado afronta, pelo menos à primeira vista e não para fins de procedência ou improcedência, mas para fins de cabimento ou não cabimento, a ADPF 130. Naquela decisão foi fixado que, fora as restrições que a Constituição faz para o estado de Direito, qualquer forma de inibição pode desconfigurar a liberdade de imprensa”, concluiu a ministra.
Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o relator, não conhecendo da reclamação porque, em sua opinião, há uma questão preliminar impossível de ser superada no caso. “Para o conhecimento da reclamação é preciso que haja uma estrita correspondência entre o ato reclamado e a decisão paradigma. Na presente reclamação, vejo que a decisão reclamada baseou-se no artigo 8º e 10 da Lei nº 9.296/96, que trata do sigilo das investigações judiciais. Verifico, estudando e analisando a ADPF 130, tão bem relatada pelo ministro Ayres Britto, que o que se decidiu naquela ação foi a não recepção da Lei de Imprensa pelo atual ordenamento constitucional”, ressaltou.
Eros Grau
O ministro Eros Grau acompanhou o voto do relator, entendendo que a reclamação é a via inadequada para o pedido. De acordo com ele, ao juiz incumbe decidir em cada caso sobre a relatividade da liberdade de imprensa e da proteção da intimidade. “Nenhuma é superior à outra, não há nenhuma absoluta e ao juiz incumbe, caso a caso, limitado pela lei, decidir a situação”, afirmou. Ele defendeu a importância da lei como fundamento e sustentação da liberdade de imprensa. Grau citou ainda Karl Marx, segundo o qual “o juiz está limitado pela lei, enquanto o censor não é limitado por lei nenhuma”. Portanto, segundo o ministro, “em juízo, não há censura. Há a aplicação da lei”. E é este, segundo ele, o caso da decisão do TJDFT.
Ellen Gracie
A ministra Ellen Gracie também entendeu não ser cabível a reclamação e acompanhou o voto do relator. Ela verificou uma contradição colocada entre a liberdade de imprensa e os poderes da jurisdição e abrangência dos seus ditames. Para a ministra, a matéria não foi objeto de discussão na ADPF 130 e, dentro do estreito limite que é posto pela reclamação, não parece cabível. “Acredito que, sem dúvida, a eventual erronia da decisão judicial atacada por esse meio será corrigida pela via recursal própria”, disse.
Celso de Mello
“Entendo particularmente grave e profundamente preocupante que ainda remanesçam no aparelho de estado determinadas visões autoritárias que buscam justificar, pelo exercício arbitrário do poder geral de cautela, a prática ilegítima da censura, da censura de livros, jornais, revistas, publicações em geral”, disse o ministro Celso de Mello. Ele conheceu da ação e acompanhou a divergência iniciada pelo ministro Carlos Ayres Britto, no sentido de deferir o pedido contido na ADI.
De acordo com ele, a censura “traduz a ideia mesma da perversão das instituições democráticas, não podendo subsistir num regime político onde a liberdade deve prevalecer”. Celso de Mello afirmou que a censura estatal, não importando o órgão de que emane (Executivo, Legislativo ou Judiciário), representa grave retrocesso político e jurídico no processo histórico brasileiro. Isto porque “devolvê-nos ao passado colonial e aos períodos em que declinaram em nosso país as liberdades públicas”.
O ministro salientou que o Estadão foi a única empresa jornalística atingida, uma vez que outros órgãos de comunicação social divulgaram, continuam divulgando e não sofreram interdição. “Portanto, essa interdição é, além de arbitrária, inconstitucional, ofensiva à autoridade do nosso julgamento proferido na ADPF 130, é uma decisão discriminatória e coincidentemente incide sobre um órgão de imprensa que já no final do segundo reinado fez da causa da República um dos seus grandes projetos políticos”, ressaltou.
Para o ministro, a apreensão de livros, revistas, jornais é um comportamento típico de regimes autoritários e não se pode retroceder no processo de conquistas de liberdades. “Eu entendo que tem sido tão abusivo o comportamento de alguns magistrados de tribunais que hoje, de certa maneira e é lamentável que se tenha que dizer isso, hoje o poder geral de cautela é o novo nome da censura judicial em nosso país”, disse, ao frisar que a conquista de direitos e garantias constitucionais não pode sofrer retrocesso.
Ele destacou que o peso da censura é algo insuportável e intolerável. “A censura representa esta face odiosa que compromete o caráter democrático de um país que deseja ser livre e que quer examinar sob escrutínio público a conduta dos seus governantes. Os cidadãos têm direitos a governantes probos”, finalizou.
FK,VP,JA,EC/LF
Nenhum comentário:
Postar um comentário