quinta-feira, 25 de março de 2010

Recurso Extraordinário RE 590880

Interrompido julgamento sobre possibilidade de desconstituir decisão que concedeu reajuste a servidores

Pedido de vista do ministro Gilmar Mendes interrompeu hoje (24) o julgamento de um Recurso Extraordinário (RE 590880) proposto pela União contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que negou a possibilidade de se desconstituir decisão que estendeu a servidores da Justiça Eleitoral do Ceará reajuste de 84,32% relativo ao IPC (Índice de Preços ao Consumidor) de março de 1990. O benefício foi resultado de correção decorrente da edição do Plano Collor.

O TST levou em conta o fato de que a decisão que beneficiou os servidores já havia transitado em julgado (quando não há mais possibilidade de interpor recurso) quando a União recorreu, estando na fase de execução de sentença. No caso, o TST alegou que a União teria de ter ajuizado uma ação rescisória, instrumento jurídico apropriado para pedir a anulação de uma sentença considerada ilegal, mas que já tenha transitado em julgado.

Dos sete ministros que votaram sobre a matéria nesta tarde, quatro reconheceram a impossibilidade de se desconstituir a decisão que já transitou em julgado por meio de um recurso extraordinário. Foram eles os ministros Eros Grau, Ayres Britto, Cezar Peluso e Marco Aurélio.

Outros dois ministros – Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ricardo Lewandowski – se alinharam ao voto da relatora do processo, ministra Ellen Gracie, no sentido de modificar a decisão que beneficiou os servidores. O ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo. O ministro Dias Toffoli se declarou impedido de participar do julgamento.

No recurso, a União alega que o benefício concedido aos servidores é inconstitucional e, diante disso, a decisão deve ser desconstituída. Ao falar aos ministros, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou que o “absolutismo da coisa julgada não persiste em confronto com a Constituição Federal” e que o Supremo já declarou a ilegalidade do reajuste.

Ele alegou, ainda, que a Justiça do Trabalho seria incompetente para realizar a execução de créditos devidos a servidores que antes eram celetistas e, em 1990, com a edição da Lei 8.112, passaram a ser regidos pelo regime estatutário.

Coisa julgada e segurança jurídica

A maioria formada até o momento levou em conta a coisa julgada e a segurança jurídica como valores a serem preservados acima de quaisquer outros. Primeiro ministro a votar nesse sentido, Eros Grau disse ver no caso a “afetação de direito adquirido”.

Na mesma linha, Cezar Peluso afirmou não poder tranquilizar sua consciência relativizando a coisa julgada na forma proposta no recurso. “Eu concordaria, por exemplo, que a ação rescisória poderia ter um prazo maior. Nós poderíamos ter remédios jurídicos com prazos determinados para questionar coisas julgadas quando as sentenças sejam incompatíveis com a declaração de inconstitucionalidade. Tudo isso eu admito em tese, mas com tratamento uniforme”, disse.

Peluso acrescentou que, a despeito de todas as razões que foram suscitadas quanto à incompatibilidade entre a postura adotada pelas cortes inferiores em relação à jurisprudência do Supremo, que já declarou o reajuste inconstitucional, “no sopesamento dos valores é preferível sacrificar, neste caso, aquilo que a União perca, do que sacrificar aquilo que, como princípio, é muito mais valioso, e que vale muito mais do que eventualmente o dinheiro que tenha sido pago ou que deva ser pago aos credores desta ação”, que é o direito à segurança jurídica.

Ele também criticou normas que relativizam a coisa julgada. No caso, o parágrafo 5º do artigo 884 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que considera inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal. A norma foi incluída na CLT por meio de medida provisória, em 2001. A outra norma é o artigo 741 do Código de Processo Civil (CPC), que permite embargos na execução contra a Fazenda Pública.

O ministro Marco Aurélio chegou a declarar a inconstitucionalidade do dispositivo da CLT ao votar nesta tarde. “Essa relativização, ocorrida mediante um vício de origem, porque se utilizou medida provisória para reger esse processo, ela resulta em totalitarismo, de esquerda ou de direita, não importa, nada tendo a ver com a democracia, com o Estado democrático de direito”, alertou.

Inconstitucionalidade

Primeira a votar, a ministra Ellen Gracie lembrou que o reajuste concedido foi considerado inconstitucional pelo Supremo. Isso ocorreu no julgamento do Mandado de Segurança (MS) 21216, realizado em dezembro de 1990. “O entendimento firmado naquela ocasião continua sendo aplicado pacificamente no STF”, disse ela.

Segundo a ministra, o TST decidiu que, no caso, o benefício foi concedido aos servidores sob o fundamento do direito à isonomia, não tendo sido discutida a matéria debatida pelo Supremo na análise do MS 21216.

“Por fundamento transverso se está, efetivamente, aplicando interpretação tida por inconstitucional por este Supremo Tribunal Federal”, concluiu Ellen Gracie, acrescentando que a própria aplicação do princípio da isonomia para a extensão de vantagens concedidas a outros servidores também é vedada pela jurisprudência do Supremo.

Para Ellen Gracie, o TST “deu à coisa julgada um caráter absoluto”. Ela lembrou ainda que, com a instituição do regime jurídico único, a remuneração do servidor passou a ser calculada de acordo com a nova previsão legal. A ministra ponderou que, de acordo com a jurisprudência do Supremo, não é possível a conjugação de direitos do regime anterior dos servidores, que era o celetista, com o novo sistema remuneratório criado por meio do regime jurídico único, em razão da inexistência de direito adquirido a regime jurídico.

“Penso que a mesma orientação deve ser aplicada aos efeitos de uma decisão judicial que reconheça o direito do servidor de receber determinada parcela remuneratória. Mesmo que tenha transitado em julgado, a sentença não pode produzir efeitos após a instituição do novo regime jurídico único, ou estaríamos reconhecendo a existência de um regime híbrido, no qual o servidor receberia vantagens previstas nos dois sistemas”, defendeu Ellen Gracie.

Assim, ela votou no sentido de declarar a incompetência da Justiça do Trabalho para analisar o reajuste em relação ao período posterior à implementação do regime jurídico único, em 1990. Em relação ao período anterior, quando o servidores ainda eram celetistas, ela votou para declarar a inexigibilidade da execução da decisão que concedeu o reajuste.

RR/LF
 

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